Atos no Ceará somam força à agenda de lutas contra o "marco temporal", em votação no STF
O julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs) no Supremo Tribunal Federal (STF) foi retomado nesta quarta-feira (1) e milhares de indígenas acompanharam a sessão em atos realizados por todo o país. No Ceará, a Federação dos Povos Indígenas organizou manifestações em Fortaleza, Itarema e Crateús. A SINDUECE participou do ato realizado na capital durante a tarde na Praça Murilo Borges, no Centro, em que demonstrou apoio à luta pela vida e pelos direitos territoriais dos povos indígenas e contra o “marco temporal”.
Presente no ato, a liderança indígena Weibe Tapeba explicou que as mobilizações estão sendo feitas por todo país para pressionar o STF a rejeitar a tese do “marco temporal”, que tem efeitos sobre a demarcação das Terras Indígenas no Brasil. “Essa tese do 'marco temporal' está sendo discutida dentro de um recurso extraordinário que trata do caso específico de uma ação movida pelo Estado de Santa Catarina para tentar inviabilizar a demarcação da Terra Indígena do Povo Xokleng, em que o Supremo Tribunal Federal resolveu colocar o que a gente chama de ‘repercussão geral’ nesse processo. Na prática, o julgamento desse processo tem impactos diretos no processo de demarcação de todas as Terras Indígenas no Brasil”, explica. A decisão do STF sobre esse conflito em Santa Catarina terá efeitos sobre 82 casos semelhantes que tramitam no sistema judiciário brasileiro.
Segundo Weibe, que é advogado e vereador em Caucaia, interpretar como constitucional a tese defendida pelos ruralistas é legalizar a violência e o genocídio dos povos indígenas e as ações de grilagem e especulação de terras. “Então nós estamos aqui reivindicando que o governo brasileiro, que o Supremo Tribunal Federal, como instância republicana, como instância máxima do sistema de justiça, consiga ter a verdadeira leitura da Constituição Federal mantendo os direitos territoriais dos povos indígenas consagrados na própria Constituição. Não podemos agora nos render às forças do capital, do agronegócio, que têm patrocinado essa tese do 'marco temporal'”, completou.
De acordo com a tese, os indígenas só teriam direito a terras que já eram ocupadas por eles antes da promulgação da Constituição de 1988, o que desconsideraria os grupos expulsos e dizimados antes desta data. Para Weiber, essa questão vai contra o texto constitucional, que assegura que os direitos territoriais para os povos indígenas são imprescritíveis. “A Constituição assegurou os direitos territoriais, ela não restringiu direitos. Em nenhum momento definiu um dia específico para que os indígenas pudessem reivindicar seus territórios tradicionais e originários”, defendeu.
Em Brasília, mais de seis mil indígenas participam do Acampamento Luta pela Vida, instalado ao lado da Esplanada dos Ministérios. A mobilização começou no último dia 23 e deveria seguir até o dia 28, mas com a suspensão do julgamento no pleno da Corte, o acampamento prossegue reunindo 176 povos indígenas de todas as regiões do país. O acampamento mobilizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é a maior mobilização indígena em 30 anos e, além de acompanhar o processo no STF, protesta contra a agenda anti-indígena do governo de Jair Bolsonaro e do Congresso Nacional.
O caso do 'marco temporal' está sendo julgado pelo STF porque, em 2013, o TRF-4 aplicou o critério ao conceder ao instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Após a decisão, a Funai enviou ao Supremo um recurso questionando a decisão do TRF-4. O julgamento estava marcado para quarta (25), mas teve de esperar a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.696, sobre a lei que prevê a autonomia do Banco Central.
A discussão terminou apenas na quinta (26), por volta das 16h30. Após um intervalo de descanso, os ministros retomaram os trabalhos, mas só foi possível ao ministro Edson Fachin ler seu relatório, documento que resume o histórico do processo. A sessão foi encerrada às 18h. Nesta quarta-feira (1), o julgamento do caso foi retomado no início da tarde como primeiro item da pauta, mas a sessão que durou até 18h15 foi suficiente apenas para ouvir 21 das 38 manifestações previstas, incluindo a apresentação de representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), de povos indígenas, da Defensoria Pública da União e de organizações que entraram na ação como amici curiae. O julgamento, portanto, será retomado nesta quinta-feira (2) com as falas de 17 entidades e da Procuradoria-Geral da República. Em seguida está prevista a leitura do voto do relator Edson Fachin.
“Nós acreditamos, confiamos em um resultado favorável aos nossos povos, porque nós entendemos que o Supremo não tem como julgar contrário à Constituição Federal. A luta pela Mãe Terra é a mãe de todas as lutas e nós continuaremos defendendo sem arredar o pé. Demarcação já!”, arrematou Weibe Tapeba.
Com colaboração da professora Patrícia Limaverde e informações do G1 e do Portal do ANDES-SN.